terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Contando um conto.... 2

Flor Amarela
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(Parte II)
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No meu primeiro dia de aula ela foi a primeira a falar comigo. Quando a vi se aproximar, fechei os olhos por um momento, para esquecer tudo o que foi minha triste vida e contemplar com a alma pura a beleza daquela figura que significava um novo início. Quando abri os olhos ela deu um largo sorriso e disse: “Calma, isso é só o começo, o pior ainda está por vir.”. Sim, aquilo era o começo da minha destruição, ou da minha redenção, era o início de uma dura jornada rumo a um terrível fim.
Como eu poderia descrevê-la? Talvez ela não fosse a mais bonita entre as meninas daquela idade, mas a mim parecia perfeita. Ela era mais bonita que as flores amarelas que perfumaram minha infância. Seus cabelos e olhos escuros contrastavam com uma pele clara com algumas sardas. Ela era magra e tinha uma estatura média, mas com apenas um olhar ela crescia diante dos meus olhos, sua presença cativava e inspirava temor. Sem dúvida ela não era uma garota comum, e definitivamente era mais inteligente que qualquer outra que conheci.
Eu não era nada perto dela. Ela era tudo o que eu não era. Tudo o que faltava em mim, sobrava nela e ao mesmo tempo não havia ninguém com quem me identificasse mais do que aquela menina. Ela exercia um poder incrível sobre todos. O que ela queria, ela podia. Simplesmente dominava tudo a sua volta, todos os que a cercavam eram seus fantoches. O mais impressionante era que só eu via o que realmente ela era, uma mistura de deusa e demônio que a todos controlava.
Eu sempre estudei muito, minha mãe dizia que era um orgulho ter um filho tão inteligente quando via minhas boas notas. Quando ela me dizia isso eu me sentia orgulhoso, me sentia melhor do que eu realmente era. Ela, ao contrário, nunca precisou se esforçar para ocupar o lugar de destaque que naturalmente lhe pertencia. Engraçado é que ela não parecia se importar com isso, talvez já estivesse acostumada com a condição de rainha.
Ela conversava pouco comigo nos primeiros meses, mas eu podia notar que a mim ela dava uma atenção especial. Talvez ela sentisse que eu sabia seu segredo, que eu conhecia sua verdadeira face. Nossa amizade cresceu gradualmente, ela era a única pessoa com quem eu conversava por mais de cinco minutos. Com o tempo nos tornamos companheiros inseparáveis. Ela me introduziu no mundo adolescente, me fez ver que não eram apenas as boas notas que a tornavam benquista e poderosa.
Ela era totalmente desregrada, não tinha nenhuma disciplina. Ao contrário de mim, que mesmo com todo tempo livre e descaso familiar não fazia mais que dar voltas pelo parque, ela, com todo o zelo e cuidado da mãe, fumava e bebia, participava de todos os tipos de festa e falava com todo tipo de gente. E eu que pensava que para ser querido precisava apenas ser bem sucedido como meus pais.
Para ela nada era trabalhoso. Possuía uma habilidade incrível de tornar tudo simples, com isso fazia com que todos dependessem dela sem que ao menos percebessem. Meu rendimento na escola, como era de se esperar, caiu quando eu estava sob sua influência. Com ela, eu ia a todos os lugares, tinha que me desdobrar em mil para atendê-la plenamente.
Todo aquele tempo que nós passávamos juntos e nenhum beijo sequer ela me deu. Uma vez, quando finalmente criei coragem, matamos aula e fomos ao parque perto da escola passar o tempo e fumar, já compartilhava de quase todos os seus vícios. Eu a presenteei com uma flor, era uma rosa amarela. Ela recebeu meu presente, deitou-se na grama, cheirou a rosa com os olhos fechados, depois a olhou atenta e demoradamente e por fim esmagou a rosa com as mãos. “Melhor que ela morra antes de murchar, assim continuará pra sempre linda em minha memória” foi o que ela disse quando percebeu que eu fiquei totalmente transtornado com aquela ação.
Nossa amizade ficou abalada depois do último evento que acabo de relatar. O que ela esmagava com as mãos não era a rosa, era meu coração, eram todos meus sentimentos, todas minhas esperanças. Como um mortal pode sonhar assim tão alto, desejar uma rainha, almejar uma deusa? Eu em minha infinita mediocridade não entendi aquela atitude de ser superior e acabei por me afastar.
O rancor que habitava minha alma não era maior que o amor que sentia por aquela criatura. Mas quando consegui esvaziar meu coração daquela raiva era tarde demais, ela foi embora. Era nosso último ano de escola quando a mãe dela morreu, ela foi morar com o pai, que vivia em Londres, e por três anos não vivi.
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Continua...

Um comentário:

  1. Fantástico!

    Eu também tenho de escrever o conto, para cumprir a promessa!

    E então, que dia de março viajaremos?
    ;)

    :*****************

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